Cidinha Campos: "Nunca o ouvi falar mal do povo"
21 de junho de 2013
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Cidinha Campos: “Ele era um ser humano extraordinário”
Tive o privilégio de conviver com Brizola desde 1982. No nosso primeiro encontro, durante uma entrevista na rádio em que eu trabalhava -, ele ainda era candidato à primeira eleição direta para o governo do Rio, depois da Anistia. Política era assunto proibido. O candidato podia, apenas, falar da sua vida. Ele falou. Foi contando, pausada e serenamente, a sua história. E quanta história, quanta vida ele tinha pra contar. Naquele dia, me dei conta, de que o Diabo não era feio como pintavam. E mais: era um ser humano extraordinário, como eu nunca tinha visto, antes e como ainda não vi, depois.
Descobri, com a convivência, porque ele tinha sido o saco de pancada preferencial da ditadura e da imprensa. Brizola não respeitava as regras do jogo que a política combina com as classes dominantes. No Rio Grande do Sul, executou o primeiro projeto de reforma agrária do Brasil. Construindo milhares de escolas e implantando um projeto educacional de base, fez com que o seu estado tenha, até hoje, o mais elevado índice de alfabetização de todo o país. E teve coragem de encampar a multinacional Bond & Share. Cuidar da educação do povo, distribuir a terra improdutiva e defender a economia nacional colocaram Brizola na alça de mira da elite brasileira. E ela, como sabemos, não nega fogo.
Nas duas vezes em que governou o Rio, não foi diferente. Seu projeto educacional foi violentamente bombardeado. Não era possível gastar tanto dinheiro com escola de pobre. A direita venceu a batalha e os milhares de troféus pela vitória foram divididos entre todos nós: estão nas ruas, à deriva, sem carinho, sem instrução, cheirando cola, pedindo esmola, matando e sendo mortos.
Nesses vinte e dois anos, tivemos algumas discordâncias. Os estopins de nossos temperamentos entravam em combustão e não conseguíamos superar as diferenças. Mas, cada vez que a gente brigava mais se gostava, principalmente porque a admiração imensa que sentia por ele mantinha-se imune a qualquer contratempo. A volta era sempre calorosa.
Daquele seu jeito de que sinto tanta falta ele dizia: "Cidinha, nós somos feitos de madeira de lei. Quando se atrita, sai faísca".
Era um homem de muitas qualidades. Uma delas me chamava a atenção. Nunca o ouvi falar mal do povo. Quando perdia uma eleição, afirmava: "O povo está certo, nós é que não soubemos entender sua mensagem. É o processo social, o povo sabe o que faz". Às vezes em que estive com ele, no Palácio Guanabara, deparei-me com um governante que dispensava o conforto e as facilidades do cargo. Seu gabinete era quase franciscano. Não se inebriava com o luxo que a República herdou do Império. Muito diferente desses que andam, hoje, por aí, voando alto e caro...
Na intimidade, era engraçado e divertido. Grande contador de "causos" e um frasista de rara inspiração. Distinguia-se no tratamento que dispensava às mulheres: um cavalheiro. Extremamente gentil, atento e educado. Caminhava à vontade pelas ruas. Para nós, companheiros de Partido, ele era o "doutor", o "governador". Na calçada, o que se ouvia era "Fala, Brizola", "Dá-lhe, Brizola"! E ele respondia a todos, sorrindo, abraçando e sendo abraçado. Quem não o conhecesse não diria que ali estava um dos mais destacados líderes da Internacional Socialista e o político brasileiro mais importante da última metade do século passado e dos primeiros anos deste XXI.
Era singelo o sonho de Brizola: em um país rico como o nosso, é inadmissível que o povo viva na miséria, ignorante, doente e desempregado. Para realizá-lo era preciso mudar o rumo da História. Ele lutou por isso até seu último instante. Esta foi a herança que nos deixou. Tomara que sejamos dignos dela.
(Depoimento em 2005)
Tive o privilégio de conviver com Brizola desde 1982. No nosso primeiro encontro, durante uma entrevista na rádio em que eu trabalhava -, ele ainda era candidato à primeira eleição direta para o governo do Rio, depois da Anistia. Política era assunto proibido. O candidato podia, apenas, falar da sua vida. Ele falou. Foi contando, pausada e serenamente, a sua história. E quanta história, quanta vida ele tinha pra contar. Naquele dia, me dei conta, de que o Diabo não era feio como pintavam. E mais: era um ser humano extraordinário, como eu nunca tinha visto, antes e como ainda não vi, depois.
Descobri, com a convivência, porque ele tinha sido o saco de pancada preferencial da ditadura e da imprensa. Brizola não respeitava as regras do jogo que a política combina com as classes dominantes. No Rio Grande do Sul, executou o primeiro projeto de reforma agrária do Brasil. Construindo milhares de escolas e implantando um projeto educacional de base, fez com que o seu estado tenha, até hoje, o mais elevado índice de alfabetização de todo o país. E teve coragem de encampar a multinacional Bond & Share. Cuidar da educação do povo, distribuir a terra improdutiva e defender a economia nacional colocaram Brizola na alça de mira da elite brasileira. E ela, como sabemos, não nega fogo.
Nas duas vezes em que governou o Rio, não foi diferente. Seu projeto educacional foi violentamente bombardeado. Não era possível gastar tanto dinheiro com escola de pobre. A direita venceu a batalha e os milhares de troféus pela vitória foram divididos entre todos nós: estão nas ruas, à deriva, sem carinho, sem instrução, cheirando cola, pedindo esmola, matando e sendo mortos.
Nesses vinte e dois anos, tivemos algumas discordâncias. Os estopins de nossos temperamentos entravam em combustão e não conseguíamos superar as diferenças. Mas, cada vez que a gente brigava mais se gostava, principalmente porque a admiração imensa que sentia por ele mantinha-se imune a qualquer contratempo. A volta era sempre calorosa.
Daquele seu jeito de que sinto tanta falta ele dizia: "Cidinha, nós somos feitos de madeira de lei. Quando se atrita, sai faísca".
Era um homem de muitas qualidades. Uma delas me chamava a atenção. Nunca o ouvi falar mal do povo. Quando perdia uma eleição, afirmava: "O povo está certo, nós é que não soubemos entender sua mensagem. É o processo social, o povo sabe o que faz". Às vezes em que estive com ele, no Palácio Guanabara, deparei-me com um governante que dispensava o conforto e as facilidades do cargo. Seu gabinete era quase franciscano. Não se inebriava com o luxo que a República herdou do Império. Muito diferente desses que andam, hoje, por aí, voando alto e caro...
Na intimidade, era engraçado e divertido. Grande contador de "causos" e um frasista de rara inspiração. Distinguia-se no tratamento que dispensava às mulheres: um cavalheiro. Extremamente gentil, atento e educado. Caminhava à vontade pelas ruas. Para nós, companheiros de Partido, ele era o "doutor", o "governador". Na calçada, o que se ouvia era "Fala, Brizola", "Dá-lhe, Brizola"! E ele respondia a todos, sorrindo, abraçando e sendo abraçado. Quem não o conhecesse não diria que ali estava um dos mais destacados líderes da Internacional Socialista e o político brasileiro mais importante da última metade do século passado e dos primeiros anos deste XXI.
Era singelo o sonho de Brizola: em um país rico como o nosso, é inadmissível que o povo viva na miséria, ignorante, doente e desempregado. Para realizá-lo era preciso mudar o rumo da História. Ele lutou por isso até seu último instante. Esta foi a herança que nos deixou. Tomara que sejamos dignos dela.
(Depoimento em 2005)
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