Reproduzo matéria de Maurício Thuswohl, publicada no sítio Carta Maior:
A onda de ataques imposta pelo tráfico de drogas em vários pontos do estado e a decisão do governo estadual de invadir a Vila Cruzeiro - favela considerada uma das principais fortalezas da facção criminosa denominada Comando Vermelho - fizeram com que a última semana entrasse para a história da segurança pública no Rio de Janeiro. O horror provocado pelas imagens de veículos incendiados foi logo acompanhado pela expectativa quanto à invasão da Vila Cruzeiro. O Rio parou para acompanhar pela tevê as impressionantes imagens de cerca de 200 traficantes armados com fuzis em rota de fuga para o Complexo do Alemão, conjunto de favelas vizinho que acabou também ocupado pela polícia neste domingo (28).
Leia a seguir um “boletim de guerra”, trazendo em ordem cronológica os acontecimentos que abalaram o Rio de Janeiro na última semana:
Domingo, 21 de novembro – Primeiro dia dos ataques em série. À tarde, bandidos ateiam fogo a dois carros particulares, assaltam um terceiro e lançam uma granada contra um veículo da Aeronáutica na Linha Vermelha. À noite, ocorrem arrastões nos bairros da Lagoa e de Laranjeiras e também na Via Dutra, onde uma pessoa é baleada. Um terceiro carro é incendiado na Penha.
Segunda-feira, 22 de novembro – Pouco depois das seis da manhã, quatro bandidos armados com pistolas, fuzis e granadas incendeiam três veículos - entre eles, uma van com 15 pessoas - num ponto de conexão entre a Via Dutra e a Avenida Brasil. À noite, também na Dutra, outros dois carros são incendiados. No bairro de Del Castilho, homens armados abrem fogo contra uma cabine da PM, sem ferir ninguém. Carros são queimados nos bairros de Rio Comprido, Tijuca e Estácio e também na cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) descarta a ajuda da União e anuncia que a polícia fará operações em favelas da cidade.
Terça-feira, 23 de novembro – A Subsecretaria de Inteligência da SSP anuncia que as duas principais facções criminosas do Rio selaram um pacto para unir forças contra a política de instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) nas favelas da cidade. O governo anuncia também a transferência de oito traficantes do presídio Bangu 3, no Rio, para o presídio de segurança máxima de Catanduvas, em São Paulo. Ações simultâneas das polícias civil e militar acontecem em 22 favelas.
Em Copacabana, quatro homens (dois menores) são presos ao tentarem atear fogo em um veículo. Ocorre o primeiro tiroteio entre traficantes e policiais na Vila Cruzeiro, bunker do tráfico na Zona Norte da cidade. Um suspeito é morto pela polícia no município de Niterói e pessoas são baleadas na favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, outro bunker controlado por traficantes. O governador Sérgio Cabral começa as primeiras negociações com o Ministério da Justiça e anuncia policiamento reforçado nas estradas federais.
Quarta-feira, 24 de novembro – A onda de ataques ganha força em diversos pontos da cidade, com 32 veículos (18 carros, dez vans, dois ônibus e dois caminhões) sendo incendiados. A SSP anuncia que prepara uma ofensiva contra os traficantes na Vila Cruzeiro e o governador afirma ter solicitado ao Ministério da Defesa e ao Comando da Marinha apoio logístico para o combate aos criminosos. O Comando Militar do Leste anuncia que os quartéis no Rio entraram em estado de alerta máximo. Apontados pelas investigações como mentores dos ataques, os traficantes Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, e Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, são transferidos de Catanduvas para outro presídio federal em Porto Velho (RO).
Durante todo o dia, ocorrem novas ações das polícias civil e militar em 30 favelas do Rio, que resultaram na morte de 18 eventuais traficantes. Catorze outros bandidos, além de dois policiais, são feridos e levados ao Hospital Getúlio Vargas. A polícia faz a primeira apreensão de um grande número de armas (29 pistolas e revólveres, duas escopetas calibre doze, cinco granadas, duas bombas artesanais, dez fuzis e uma submetralhadora). Na favela da Chatuba, a polícia apreende uma tonelada de maconha. A PM anuncia ter colocado 17.500 homens nas ruas da cidade e uma menina de 14 anos é morta por uma bala perdida enquanto brincava em seu computador na favela do Grotão.
Quinta-feira, 25 de novembro – Qualificado pela grande imprensa como o “Dia D” da Guerra do Rio. Em uma das mais ousadas operações levadas à cabo pelas autoridades de segurança pública, cerca de 600 policiais _ com apoio de doze carros blindados cedidos pela Marinha _ invadem e ocupam a Vila Cruzeiro, até então considerada uma área inexpugnável do tráfico de drogas na cidade. Após se prepararem para o confronto com a policia, os traficantes mudam de idéia e decidem abandonar a Vila Cruzeiro. Pelo alto da mata, fogem em direção ao vizinho Complexo do Alemão. A fuga dos traficantes - cerca de 200 homens fortemente armados com fuzis e metralhadoras - proporciona uma das mais incríveis imagens já registradas na história do combate ao tráfico de drogas no Rio.
Sessenta policiais civis, 450 policiais militares e 88 fuzileiros navais recém-chegados do Haiti participam da ocupação da Vila Cruzeiro. A Marinha cede doze carros blindados (a maioria do tipo M113) para ajudar na invasão. O Estado-Maior da PM anuncia que será instalada uma UPP na Vila Cruzeiro. Comboios da polícia são aplaudidos pela população em diversos pontos da cidade.
Nas ruas, a ação dos bandidos alcança seu auge. Ao longo do dia, são incendiados em todo o Estado 44 veículos (19 ônibus, 17 carros de passeio, cinco vans, dois caminhões e uma moto). No bairro da Tijuca, um cobrador de ônibus tem 60% do corpo queimado. As ações da polícia nas favelas do Rio também se acentuam e resultam em 188 prisões e 32 mortes. Na favela do Jacarezinho, uma das maiores da cidade, sete pessoas são mortas durante ação policial. Diversas escolas da rede municipal de ensino paralisam suas atividades e cerca de 40 mil alunos ficam sem aulas na capital.
Sexta-feira, 26 de novembro – Começa o que a grande mídia chama de “a Batalha do Alemão”. Agora com a ajuda de homens do Exército e da Polícia Federal, a polícia cerca todo o complexo de favelas do Alemão e ocupa todas as suas principais entradas. A Serra da Misericórdia - pedaço de Mata Atlântica que separa a Vila Cruzeiro do Complexo do Alemão - é ocupada pelo Bope. Enquanto paraquedistas e atiradores de elite vigiam os acessos às favelas, policiais civis e militares entram em confronto com traficantes nas localidades conhecidas como Grota e Fazendinha, provocando ferimentos em três militares e seis civis, entre eles uma criança e um fotógrafo da Reuters.
O governador Sérgio Cabral se reúne com o ministro da Defesa, Nélson Jobim, e com representantes das três Forças Armadas para acertar uma operação conjunta de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Rio. O Exército anuncia a participação de 800 paraquedistas nas ações policiais e a cessão de mais dez carros blindados e três helicópteros. A Polícia Federal coloca 420 policiais à disposição do governo do Rio. Na Guiana, onde participa de reunião da Unasul, o presidente Lula afirma que o Rio pode contar com total ajuda do governo federal.
Nas ruas da cidade, a onda de ataques recua e “apenas” nove veículos são incendiados. Na Vila Cruzeiro, policiais apreendem 300 motos roubadas que estavam a serviço do tráfico, além de cerca de uma tonelada de maconha e cocaína, seis mil pedras de crack e diversos armamentos. A Polícia Civil prende a mulher de Marcinho VP, sob a acusação de lavagem do dinheiro do tráfico. Na Favela da Rocinha, a maior do Rio, traficantes distribuem panfletos para os comerciantes alertando sobre a possibilidade de “derramamento de sangue” em caso de invasão policial.
Sábado, 27 de novembro – Um dia de ultimato. Apoiadas por um efetivo de 2.600 homens das polícias civil, militar e federal, além de militares do Exército e da Marinha, as autoridades de segurança pública conclamam os traficantes entrincheirados no Complexo do Alemão - cerca de 600 homens com fuzis, segundo a SSP - a se entregarem. Apesar do ultimato, apenas um traficante se rende até 19h30, quando a polícia decide impedir os moradores de entrar no Complexo do Alemão. Desde a manhã, entretanto, centenas já abandonam a favela. Alguns traficantes tentam fugir misturados aos moradores, e 32 pessoas são detidas pela polícia. Até idosos e crianças são revistados.
Nas ruas, o ritmo dos ataques continua a diminuir e se concentram no município de Nova Iguaçu, onde quatro veículos são incendiados. Dois traficantes são mortos durante confronto com a polícia na favela Santo Amaro, no Catete. Em Rocha Miranda, um homem é morto quando tentava atear fogo em um carro. Mais armas e drogas são apreendidas no Alemão e na Vila Cruzeiro, onde policiais encontram 132 bananas de dinamite (26 kg).
Domingo, 28 de novembro – No início da manhã - mais precisamente às 7h59 - a polícia decide invadir o Complexo do Alemão. Pela primeira vez, helicópteros usados no apoio ao cerco às favelas efetuam disparos contra traficantes. Por volta de dez da manhã, sem encontrar grandes focos de resistência por parte dos traficantes, policiais chegam à parte mais alta do Complexo, onde hasteiam bandeiras do Brasil e do Estado do Rio de Janeiro. Armas e cerca de dez toneladas de drogas são apreendidas. No início da tarde, policiais iniciam um pente-fino de casa em casa, na tentativa de encontrar traficantes escondidos. Autoridades anunciam que a operação no Alemão não tem dia nem hora para acabar.